O
precursor nos estudos sobre jornalismo em Minas
Por Jairo Faria Mendes em 03/08/2004 na edição 288
José
Pedro Xavier da Veiga foi um dos grandes intelectuais mineiros do século 19, um
jornalista de destaque, um importante historiador e político. Além disso, foi o
precursor nos estudos sobre jornalismo nas Minas Gerais. Sua monografia A
imprensa de Minas Gerais 1807-1897 (In: Revista do Arquivo Público
Mineiro, Ano III, 1898. pp. 169-249) foi o primeiro trabalho sobre
jornalismo produzido no estado. Ele era de uma família de grande tradição na
política, na imprensa e na cultura. Um exemplo disso foi seu tio Evaristo da
Veiga, o redator da Aurora Fluminense, que contribui bastante para a
abdicação de D. Pedro I.
Seu
avô, Francisco Luís Saturnino da Veiga, veio de Portugal em 1784, com 13 anos,
e foi morar no Rio de Janeiro. Lá, ainda moço, lecionou Latim, Aritmética e
Gramática. Mas em pouco tempo mudou de ofício, tornando-se livreiro, o que
contribuiu muito para que seus descendentes ganhassem amor pelos livros.
Entre
os filhos de Saturnino da Veiga estavam figuras brilhantes. Evaristo, grande
jornalista e político, eleito três vezes deputado pelas Minas Gerais. Bernardo,
por duas vezes exerceu a presidência da província das Minas, e foi
representante na Câmara dos Deputados do Império entre 1843 e 1844, e deputado
provincial. Lourenço, o pai de José Pedro Xavier da Veiga, criou jornais e foi
defensor da fundação de uma nova província no sul das Minas.
Os
parentes de José Pedro Xavier da Veiga criaram diversas publicações, na cidade
de Campanha, nas Minas Gerais: Opinião Campanhense (1832 a 1837), Nova
Província (defendendo a criação da província no Sul das Minas, 1854 e
1855), O Sul de Minas (1859 1863), O Monitor Sul Mineiro e
almanaques (1872 a 1898). Mas o maior destaque foi Evaristo da Veiga, com a Aurora
Fluminense, no Rio de Janeiro, uma referência do jornalismo brasileiro no
século 19.
Jornalista
aos 12
No
dia 13 de abril de 1846, nasceu José Pedro Xavier da Veiga, em Campanha, nas
Minas Gerais. Edilane Maria de Almeida Carneiro e Marta Eloísa Melgaço Neves
descrevem bem a história dele na introdução da obra prima de Xavier da Veiga, Efemérides
mineiras, reeditada em 1998, pela Fundação João Pinheiro.
Até
os 10 anos, ele não freqüentou a escola, por ter saúde muito frágil. Mas seu
pai o alfabetizou, e o convívio com a família culta, que participava muito da
vida política, o incentivou a tornar-se intelectual e militante.
Aos
11 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, trabalhando por cinco anos na livraria
de seu tio João Pedro. Com 12 anos, apesar da pouca idade, participou da
fundação da Sociedade de Ensaios Literários, e na revista da entidade
publicaria seus primeiros textos. Na primeira edição da revista, em 1863, ele
trazia o artigo "Estrela do Sul (Província de Minas)", defendendo a
bandeira de sua família, ou seja, a criação de uma nova província no sul das
Minas.
Um
artigo publicado no oficial Minas Gerais, em 10 de agosto de 1900,
considera que nesse momento surge o grande jornalista:
"Pode-se
dizer que Xavier da Veiga iniciou sua vida de imprensa aos 12 anos, pois foi
justamente nessa quadra, em que as crianças apreciam mais os folguedos e a
convivência com seus amigos, que ele, recolhido ao seu quarto, sozinho, lançava
no papel as premissas de seu fulgurante talento."
Em
1867, Xavier da Veiga foi para São Paulo cursar a Faculdade de Direito. Lá teve
a oportunidade de conviver com pessoas que influenciariam a história das Minas
e do Brasil, como Silviano Brandão, Afonso Pena, Feliciano Pena e Crispim
Jacques Bias Fortes. No entanto, por problemas pulmonares, teve que retornar a
Campanha antes de terminar o curso.
"Perseguições
revoltantes"
De
1870 a 1878, foi escrivão dos Órfãos, em Lavras, onde estabeleceu um cartório e
passou a militar no Partido Conservador. Ele seria uma das lideranças
conservadoras da província (depois estado), elegendo-se em vários pleitos como
deputado estadual e uma vez senador, e se destacaria defendendo questões nobres
como a educação pública e a abolição da escravatura. Em seu principal livro,
Efemérides Mineiras, refere-se à Lei Áurea:
"(...)
lei grandiosa e santa, complemento indispensável das de 28 de setembro (a de
1871, lei Rio Branco, e a 1885), foi a redenção abençoada para cerca de 230.000
infelizes em Minas Gerais e para quase 800.000 no Brasil." (Xavier da
Veiga, 1897)
Xavier
da Veiga dedicou boa parte de sua carreira política à defesa da educação
pública. Em 1872, quando ainda era escrivão em Lavras, fundou a Sociedade
Propagadora da Instrução. "Pautando-se sempre pela defesa da instrução
pública e ampliando seu enfoque para além das propostas de ensino primário,
propôs em anos posteriores a criação de cadeiras noturnas e de escolas de
ensino profissional e agrícola." (Introdução de Carneiro e Neves, in Veiga,
1998, p. 23). Sua última luta política foi contra a mudança da capital das
Minas, de Ouro Preto. Quando foi administrar o Arquivo Público Mineiro, largou
a vida política.
Em
1878, Xavier da Veiga mudou-se para Ouro Preto e comprou, com Pedro Maria da
Silva Brandão, uma tipografia. No ano seguinte os sócios lançavam o jornal A
Província de Minas, que se apresentava como órgão do Partido Conservador.
No primeiro número a publicação explicava que tinha como objetivo defender os
conservadores de "injustiças cruéis" e "perseguições
revoltantes". O jornal circulou até novembro de 1889, quando ocorreu a
proclamação da República.
Mineiro
importante
A
partir de 27 de novembro de 1889, Xavier da Veiga passou a publicar o jornal A
Ordem, "inaugurando um novo propósito: demonstrar a necessidade de que
o novo regime republicano fosse aceito pacificamente em Minas Gerais"
(Introdução de Carneiro e Neves, in Veiga, 1998, p. 20). A publicação circulou
até 31 de dezembro de 1892.
Xavier
da Veiga era um apaixonado monarquista, mas foi defensor da Republica depois
que esta foi instituída. Pode parecer um paradoxo, mas ele justificava sua
atitude dizendo preferir a República do que ver a ordem ameaçada. "(...)
acabo de declarar franca e lealmente que a monarquia, não obstante os grandes
serviços que dela recebeu o Brasil, é um fato do passado, que a sua restauração
seria uma calamidade pública" (Veiga apud Lima, 1911, p.60)
Uma
grande contribuição de Xavier da Veiga foi criação da Revista do Arquivo
Público Mineiro, em 1896. Um ano antes ele havia abandonado sua cadeira de
senador para fundar o Arquivo Publico Mineiro. O órgão seguia os princípios do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), e tinha como objetivo
reunir fontes primárias importantes para a história e geografia das Minas
Gerais.
No
decreto de criação do Arquivo Público Mineiro estava prevista a criação de uma
revista, o que foi feito por Xavier da Veiga. O primeiro número, de 1896,
organizado em quatro fascículos, publicou muitas fontes primárias. E, na revista,
saíram ensaios de grande importância para a historiografia mineira. O próprio
Xavier da Veiga escreveu importantes textos, como "A imprensa em Minas
Gerais (1807-1897)", que inaugurou os estudos jornalísticos no estado, e
"Minas Gerais e Rio de Janeiro (Questão de Limites)", que ajudou na
negociação sobre a fronteira entre os dois estados. Ele trabalhou no APM até
morrer e foi responsável pelos cinco primeiros números da revista, que depois
ficaria a cargo do também importante jornalista, político e historiador Augusto
de Lima.
Era
norma para todos que entravam na Academia Mineira de Letras fazerem a biografia
de algum mineiro importante. Augusto de Lima escolheu Xavier da Veiga, por quem
demonstrou grande admiração.
"Proeza
extraordinária"
A
monografia de Xavier da Veiga, publicada na Revista do Arquivo Publico,
nº 3, de 1898, com o título "A imprensa em Minas Gerais (1807-1897)",
faz nascer os estudos sobre jornalismo no estado. Com 80 páginas, o texto faz
um relato do primeiro século da imprensa nas Minas, e traz um inventário com as
publicações que surgiram nestes 100 anos.
O
estudo, até hoje, é utilizado por historiadores e pesquisadores do jornalismo.
Ninguém conseguiu superar Xavier da Veiga, sua monografia continua a principal
referência sobre a história da imprensa mineira. Surgiram registros e análises
de fatos isolados, de jornalistas ou da história do jornalismo em cidades das
Minas; mas faltam publicações que tenham um olhar "macro" sobre a
memória da imprensa no estado.
Xavier
da Veiga começa fazendo um rápido histórico, que passa pelo invento de
Gutenberg; a oficina de Antônio Isidoro da Fonseca, no Rio de Janeiro, fechada
em 1747; e os primeiros jornais brasileiros. No entanto, gasta apenas cinco
páginas para essa introdução, e entra no que lhe interessava, a memória da
imprensa nas Minas.
Ele
descreve com detalhes a primeira impressão feita nas Minas, em 1807, pelo padre
José Joaquim Viegas de Menezes. O poeta e cronista Diogo Pereira Vasconcelos
escreveu um canto panegírico (um poema) homenageando o governador da capitania,
Pedro Maria Xavier de Atayde. Apesar das atividades gráficas serem proibidas na
colônia, o governador quis ver o texto impresso, e procurou o padre Viegas, o
único que poderia atender a seu desejo.
Depois
de três meses de trabalho, o padre imprimiu um poema, utilizando uma técnica
chamada calcografia, que consiste no uso de chapas fixas de bronze. Esse é um
dos grandes momentos da imprensa brasileira. Ele é descrito por Sodré (1999)
como "proeza extraordinária para a colônia" (p. 34).
Um
erro repetido
Na
monografia também é feita rápida biografia do herói da imprensa mineira, o
padre Viegas. Ele, além da impressão calcográfica de 1807, foi responsável pela
primeira tipografia construída no país (trabalho iniciado em 1820). A
monografia descreve bem isso.
O
português Manoel José Barbosa Pimenta e Sal, residente em Vila Rica (que mais
tarde viraria Ouro Preto), costumava folhear o "Diccionario de Sciencias e
Artes", em francês [provavelmente o Dictionnaire des Sciences, des
Arts et de Métiers (1751-1777), de Diderot], dando atenção ao trecho que
descrevia uma tipografia. Um acaso feliz aproximou o português do padre Viegas,
que traduziu a parte referente à tipografia, e explicou como ela funcionava.
Depois, os dois resolveram juntos fundir os tipos e construir um prelo. Nessa
tipografia seriam impressos muitos jornais. Ela, certamente, foi decisiva no
nascimento e na evolução do jornalismo nas Minas.
A
monografia ignora um fato importante da biografia do padre Viegas. Foi ele também
o diretor do primeiro jornal do Estado, o Compilador Mineiro.
Para
falar do padre, é fácil identificar (embora não citado na monografia) que ele
utilizou como principal fonte um trabalho biográfico publicado no Correio
Official de Minas, de 10 a 13 de janeiro de 1859. Esse texto, apesar de bem
anterior ao de Xavier da Veiga, não pode ser classificado como um estudo sobre
a imprensa: é uma biografia, escrita no estilo do jornalismo da época,
rebuscada e com tom apologista, mas bem redigida.
No
entanto, Xavier da Veiga comete um erro, que muitos anos depois seria repetido
por Nelson Werneck Sodré, em História da imprensa no Brasil. Ele diz que
o primeiro jornal das Minas foi a Abelha do Itaculumy, criado em 1824.
No entanto, a primazia é do Compilador Mineiro, fundado um ano antes.
Inventário
da imprensa
Ao
citar os primeiros jornais da província, Abelha do Itaculumy (1824), o Compilador
Mineiro (de 1823, que a monografia diz ser de 1824, e sobre o qual o autor
mostra ter muitas dúvidas a respeito do local da impressão e de quem o
dirigia), ganha destaque o Universal. É fácil entender a ênfase dada ao Universal,
o primeiro jornal com expressão na província. Foi criado pelo polêmico político
Bernardo Vasconcelos, que o dirigiu até 1833. Depois o jornal mudou
radicalmente de posição política, e, em 1842, tomou uma das decisões mais
ousadas da história de nossa imprensa. Seu diretor, José Pedro Dias de
Carvalho, derreteu os tipos do jornal para fabricar balas para a revolução
liberal que estourava na província.
Em
seguida, vêm a descrição das primeiras localidades mineiras com jornais. Como
ele mostra, os jornais começaram em Ouro Preto, em 1823. A segunda localidade
foi São João Del Rei, que em 20 de novembro de 1827 ganhou o Astro de Minas,
considerado "brilhante" por Xavier da Veiga. Depois, o Arraial do
Tijuco (hoje cidade de Diamantina) ganhou o Echo do Serro, em 1828.
Em
1830, três localidades passaram a ter jornais: Mariana (Estrella Mariannense),
Serro (Sentinela do Serro, de Teófilo Otoni, seguindo a linha editorial
da Sentinela da Liberdade, de Cipriano Barata) e Pouso Alegre (Pregoeiro
Constitucional). Outros locais que ganharam publicação: Itambé do Serro (7º
lugar), Campanha (8º lugar), Sabará (9º lugar) e Caeté (10º lugar).
A
parte mais importante do trabalho de Xavier da Veiga vem depois, o inventário
da imprensa nos seus primeiros 100 anos. Em 34 páginas, ele lista as centenas
de publicações criadas nas Minas, no período, em 87 localidades.
A
grande obra
Pelo
inventário, é clara a grande importância de Ouro Preto neste primeiro século de
jornalismo. São listados 163 periódicos na cidade. Outros municípios com bom
número de publicações: São João Del Rei (41), Diamantina (45), Campanha (33),
Juiz de Fora (55) e Uberaba (57). Belo Horizonte, recém-inaugurada (em 12 de
dezembro de 1897), já tinha cinco periódicos listados por Xavier da Veiga.
O
inventário mostra que nas Minas algumas regiões povoadas tardiamente estavam
tendo uma imprensa muito forte, refletindo as grandes mudanças na região. Com a
decadência da exploração do ouro e diamantes, gradativamente, localidades que
cresceram com a mineração (Ouro Preto, São João Del Rei, Sabará, Mariana,
Diamantina etc.) foram perdendo importância, e outras ganharam grande impulso
(principalmente na Zona da Mata e no Sul das Minas).
No
fim da monografia, Xavier da Veiga faz um relato da imprensa nas Minas em 1897.
Segundo ele, dos 123 municípios que o estado tinha na época, 69 tinham
periódicos. Ouro Preto continuava com posição de destaque – seis publicações, duas
delas de grande importância: o jornal oficial Minas Gerais e a Revista
do Arquivo Público Mineiro. O Minas Gerais se destaca por ser a
única publicação importante, do século 19, que sobrevive até os dias de hoje.
Belo Horizonte, que acabava de ser inaugurada (com o nome de Cidade de Minas),
contava com quatro publicações: A Capital, O Bello Horizonte (o
primeiro jornal da cidade), Tiradentes e O Bohemio.
A
extensa Efemérides mineiras é a grande obra de Xavier da Veiga. Ele
gastou quase 18 anos de trabalho árduo para produzi-la. Em 1897, lançou-a pela
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, em quatro volumes. A Fundação João
Pinheiro lançou em 1998 uma reedição da obra, com dois volumes, que juntos têm
1.115 páginas. No livro, Xavier da Veiga faz uma cronologia detalhada da
história mineira, mas um pouco confusa pela forma com que o autor organiza as
informações.
As
Efemeridades foram financiadas pelo governo de Minas Gerais. Já nos
termos da lei de criação do Arquivo Público Mineiro, estava prevista a produção
de "efemérides sociais e políticas". O APM seguia a linha do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que promoveu a publicação de
edições históricas.
Lima
conta que uma vez alguém procurou Xavier da Veiga querendo informações para
escrever sua biografia. A reação de Xavier da Veiga foi entregar os volumes das
Efemérides mineiras. "(...) como quem disse: Eis-me nesse monumento
pátrio." (Lima, 1991, p. 39).
Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_precursor_nos_estudos_sobre_jornalismo_em_minas
Acesso em 22 de agosto de 2013.
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