Adelante, Brasil!
Diário de Copa 4
Galeno Amorim
Quem se atrevesse a caminhar pelo Calçadão de Copacabana instantes antes da entrada da seleção brasileira no Castelão para enfrentar o México não ia entender bulhufas. Mas ela estava lá, como uma espécie de Tratado de Tordesilhas moderno. Uma linha imaginária entre as duas torcidas do Brasil.
Do lado esquerdo de quem seguisse na direção do Leme, o torcedor manjado, típico. Há mais de hora em posição sentada em rígida concentração num dos botecos de calçada que se estendem por toda essa faixa da Atlântica, esse é o torcedor de perfil tradicional. Esse torcedor – afixado na banda, digamos, do Continente – usa a camisa amarela oficial pra fora da calça e não desgruda os olhos da telinha. Traz a tulipa de chope numa mão e deixa a outra livre para casos de emergência, como gesticular na hora mais difícil da discussão e, naturalmente, para chamar o garçom para a nova rodada. Enfim, um brasileiro comum.
Já no lado oposto da linha imaginária, na beira-mar, a outra torcida do Brasil deixava entrever momentos notoriamente estranhos. Mas vá lá: não é todo dia que tem Copa no Brasil e também não é o caso de ficar reclamando de tudo, ainda que seja certos desvios de padrão. E também, a essa altura do campeonato, quem é que vai ficar exigindo padrão Fifa pra tudo?!
O certo é que havia um quê de contentamento e mistério por ali. Via-se que esses brasileiros da gema da torcida beira-mar seguiam, divertidos e disciplinados, em direção à Fan Fest, no Posto 2. E olha que faltava muito pro jogo começar. Entre esses, um grupo se destacava. Metro e noventa de altura, olhos impressionantemente azuis, testas vermelhas e o nariz de Hipoglós. Certamente, me ocorreu na hora, devia ser um dos nossos povos do Sul. Afinal, este é um país imenso, continental, multicultural e blá-blá-blá.
Com o verde-amarelo no peito, seu patriotismo, contudo, não deixava dúvida:
- Brásil! Brásil!
Logo atrás vinha outro não menos valoroso tipo da torcida nacional. Camisas exageradamente amarelas, olhinhos puxados, cabelo negro escorrido na testa e a cor de jambo tropical tão sabidamente Made in Brazil. Ahá!! É o nosso reforço das tribos do Norte, logo deduzi. No vai-e-vem dos blocos sempre tão demasiadamente amarelos, com algum requinte de verde, confesso que me chamou a atenção aquela dupla de grandalhões ruivos e gola pólo verde oliva, igualzinho ao uniforme de Pelé & Cia em 1958. Achei aquilo meio esquisito, mas... Copa é Copa!
- É nóis – gritava, com entusiasmo juvenil, o vendedor de bandeiras, doido pra torrar logo seu estoque, e antes que o juiz resolva apitar o início de jogo.
- Hoje só vai dar Brasil! – ele insistia, animado.
Toda essa certeza começou a ser colocada sob suspeita no momento em que por ali passaram dois brancões, um deles com a cara lambuzada de tinta laranja e preta, e cantando “Ronaldô”, “Ronaldô”.
Hummmmm, aquilo estava mesmo ficando realmente estranho.
Mas a devoção verde-amarela da dupla também não deixava dúvidas: camiseta amarela, calção verde - hein?! - e meias brancas, o uniforme completo, mais a bandeirola, hermeticamente triscando o ar.
Só fui dar conta mesmo do terrível engano ao cruzar com o casal que, bebericando alegremente sua tequila, disfarçava, entredentes, sua saudação ao panteão nacional:
- Adelante, Brasil! Arriba!
Finalmente a ficha caiu.
Eles estavam todos lá, na Fan Fest. Sob a pele de cordeiro verde-amarela e a figa com o dedão da mão esquerda escondida às costas. E secando, descaradamente, o tempo todo, o time do Felipão. Foram, beberam e se divertiram às nossas costas.
Depois, extasiados e exaustos, deram uma olhadela para o lado do Cristo Redentor, fizeram um tchauzinho discreto pro Pão de Açúcar e foram embora, deixando para trás Copacabana com um gosto amargo na boca. Mas não sem antes combinar o próximo encontro:
- No outro jogo, a gente volta, hein...
Do lado esquerdo de quem seguisse na direção do Leme, o torcedor manjado, típico. Há mais de hora em posição sentada em rígida concentração num dos botecos de calçada que se estendem por toda essa faixa da Atlântica, esse é o torcedor de perfil tradicional. Esse torcedor – afixado na banda, digamos, do Continente – usa a camisa amarela oficial pra fora da calça e não desgruda os olhos da telinha. Traz a tulipa de chope numa mão e deixa a outra livre para casos de emergência, como gesticular na hora mais difícil da discussão e, naturalmente, para chamar o garçom para a nova rodada. Enfim, um brasileiro comum.
Já no lado oposto da linha imaginária, na beira-mar, a outra torcida do Brasil deixava entrever momentos notoriamente estranhos. Mas vá lá: não é todo dia que tem Copa no Brasil e também não é o caso de ficar reclamando de tudo, ainda que seja certos desvios de padrão. E também, a essa altura do campeonato, quem é que vai ficar exigindo padrão Fifa pra tudo?!
O certo é que havia um quê de contentamento e mistério por ali. Via-se que esses brasileiros da gema da torcida beira-mar seguiam, divertidos e disciplinados, em direção à Fan Fest, no Posto 2. E olha que faltava muito pro jogo começar. Entre esses, um grupo se destacava. Metro e noventa de altura, olhos impressionantemente azuis, testas vermelhas e o nariz de Hipoglós. Certamente, me ocorreu na hora, devia ser um dos nossos povos do Sul. Afinal, este é um país imenso, continental, multicultural e blá-blá-blá.
Com o verde-amarelo no peito, seu patriotismo, contudo, não deixava dúvida:
- Brásil! Brásil!
Logo atrás vinha outro não menos valoroso tipo da torcida nacional. Camisas exageradamente amarelas, olhinhos puxados, cabelo negro escorrido na testa e a cor de jambo tropical tão sabidamente Made in Brazil. Ahá!! É o nosso reforço das tribos do Norte, logo deduzi. No vai-e-vem dos blocos sempre tão demasiadamente amarelos, com algum requinte de verde, confesso que me chamou a atenção aquela dupla de grandalhões ruivos e gola pólo verde oliva, igualzinho ao uniforme de Pelé & Cia em 1958. Achei aquilo meio esquisito, mas... Copa é Copa!
- É nóis – gritava, com entusiasmo juvenil, o vendedor de bandeiras, doido pra torrar logo seu estoque, e antes que o juiz resolva apitar o início de jogo.
- Hoje só vai dar Brasil! – ele insistia, animado.
Toda essa certeza começou a ser colocada sob suspeita no momento em que por ali passaram dois brancões, um deles com a cara lambuzada de tinta laranja e preta, e cantando “Ronaldô”, “Ronaldô”.
Hummmmm, aquilo estava mesmo ficando realmente estranho.
Mas a devoção verde-amarela da dupla também não deixava dúvidas: camiseta amarela, calção verde - hein?! - e meias brancas, o uniforme completo, mais a bandeirola, hermeticamente triscando o ar.
Só fui dar conta mesmo do terrível engano ao cruzar com o casal que, bebericando alegremente sua tequila, disfarçava, entredentes, sua saudação ao panteão nacional:
- Adelante, Brasil! Arriba!
Finalmente a ficha caiu.
Eles estavam todos lá, na Fan Fest. Sob a pele de cordeiro verde-amarela e a figa com o dedão da mão esquerda escondida às costas. E secando, descaradamente, o tempo todo, o time do Felipão. Foram, beberam e se divertiram às nossas costas.
Depois, extasiados e exaustos, deram uma olhadela para o lado do Cristo Redentor, fizeram um tchauzinho discreto pro Pão de Açúcar e foram embora, deixando para trás Copacabana com um gosto amargo na boca. Mas não sem antes combinar o próximo encontro:
- No outro jogo, a gente volta, hein...
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