Não é preciso estar dentro da escola para aprender, diz educador português
Ao IG, idealizador da inovadora Escola da Ponte, em Portugal, adianta planos de implantar uma comunidade de aprendizagem em rede no Brasil, a partir de setembro
Há 40 anos, uma escola em Portugal rompeu com as metodologias de
ensino impostas a alunos e professores. Aboliu séries, provas, salas de aulas,
disciplinas para garantir autonomia de aprendizado e fazer o estudo ter sentido
para as crianças e os jovens. A Escola da Ponte fez sucesso, inspirou outros
projetos em território português e aqui no Brasil.
A inspiração da Escola da Ponte levará à criação de estrutura mais
ambiciosa no Brasil nos próximos meses. Segundo José Pacheco, idealizador do
colégio português, no dia 23 setembro, a primeira Comunidade de Aprendizagem do
Brasil será lançada. A experiência começará pela cidade de Cotia (SP), onde
funciona o Projeto Âncora, já inspirado no modelo português.
Animado e empolgado, o educador português disse com exclusividade
ao iG que professores e alunos da escola do Projeto Âncora vão ampliar o que já
fazem pela vizinhança. Eles farão pesquisas pela comunidade sobre os problemas
mais preocupantes que enfrentam, trabalharão em equipe para encontrar soluções e
vão desenvolver os projetos de pesquisa que já desenvolvem longe da escola e na
comunidade junto com as famílias e os vizinhos.
“Eles vão criar vizinhança e comunidade de fato. Queremos que essa
experiência se transforme em um fórum para ser partilhada com outras
comunidades”, afirma. Com isso, outros dois projetos serão lançados juntos: uma
plataforma digital de aprendizagem e comunicação e um projeto de transformação
vivencial.Pacheco diz que as plataformas digitais atuais são de “ensinagem e não aprendizagem”. Seu plano é que educadores de todo o país possam utilizar filmes, peças teatrais, materiais, depoimentos e experiências disponíveis em nuvem para construir o próprio conhecimento. Com essa ferramenta, o projeto de transformação vivencial será a formação de professores de todo o país para esse novo modelo educacional.
Sem fórmulas
As discussões sobre a necessidade de mudar a escola tradicional – já numerosas na academia – chegaram aos gestores, que não têm encontrado soluções para tornar a escola mais interessante. Pacheco diz que falta coragem a eles para romper com os modelos tradicionais, apesar do diagnóstico quase consensual entre quem pesquisa educação.
“É preciso fazer algo diferente, insistir no que está errado é sinal de loucura. Mas alguns já tomaram consciência disso e, por isso, nos procuram pedindo ajuda. Há pessoas ligadas ao poder público que já percebem que há outros e melhores modos de fazer educação”, ressalta. Segundo ele, no Brasil, há mais de 100 projetos diferentes que têm a mesma inspiração.
O Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, por exemplo, sempre que pode, repete o bordão de que a escola atual segue as mesmas regras do século 19, atendendo a jovens do século 21 e com professores do século 20. Ideia que Pacheco também defende. Mercadante prometeu apresentar propostas para transformar o ensino médio, mas não as divulgou ainda.
O Projeto Âncora existe como organização sem fins lucrativos desde 1995 e foi criado para levar cidadania a crianças e adolescentes em situação de risco social por meio de atividades culturais, esportivas e lazer. Em 2011, a primeira escola do projeto nasceu. Inspirada pela Escola da Ponte, ela nasceu sem turmas, séries ou provas, atendendo crianças de 6 a 10 anos.
As crianças aprendem por meio de projetos de pesquisa, que elas mesmas propõem fazer. A autonomia e a democracia nas escolhas são essenciais na filosofia da escola. Professores são facilitadores e os trabalhos envolvem diferentes áreas do conhecimento. Todos leem e escrevem com facilidade, estão integrados com novas tecnologias e cuidam da escola.
O aprendizado ganha significado, já que as pesquisas partem de problemas vividos pelas famílias e vizinhos. “O resultado é produção do conhecimento e inclusão social”, afirma Pacheco. Ele lembra que não há “receitas prontas” para esse novo modelo. É preciso criar diferentes propostas que atendam cada comunidade.
“Não há fórmulas. Há uma gramática de elementos comuns em vários projetos existentes. É preciso ter consciência do que se está a fazer”, diz. Provocador, Pacheco pergunta e responde imediatamente: “por que é preciso estar dentro da escola para aprender? Não é preciso”. Para ele, a escola tem de ser “apoio comunitário”.
“Escolas são pessoas e não lugar. Onde houver gente, há escola”, afirma. Seu sonho é que os 300 mil habitantes de Cotia se transformem em atores de aprendizagem na comunidade. Ele ressalta que o custo de um aluno no projeto é menor (cerca de R$ 560 por ano), já que não há livros didáticos pra cada um, uniformes, transporte escolar. A escola é autossustentável (porque gera renda promovendo cursos, visitas, livros) e os professores são muito valorizados.
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