by Gustavo Magnani |
A escritora Ann Morgan se impôs um desafio: ler um livro de todos os países do mundo em um ano. Ela descreve essa experiência singular e conta o que aprendeu.
Eu costumava conceber a mim mesma como um tipo de pessoa relativamente cosmopolita, mas minhas estantes de livros contavam uma história diferente. Apesar de alguns romances indianos e de um livro australiano e sul africano esquisitos, minha coleção de literatura era formada por títulos ingleses e norte-americanos. Pior ainda: eu raramente lia obras traduzidas. Minhas leituras eram limitadas a histórias escritas por autores falantes de inglês.
Então, no começo de 2012, me impus um desafio de tentar ler um livro de todos os países (bem, todos os 195 países reconhecidos pela ONU mais o ex-membro da Organização, Taiwan) em um ano para encontrar o que eu havia perdido.
Sem fazer ideia de como fazer isso – além da suspeitar de que era improvável encontrar publicações das quase 200 nações nas prateleiras da minha livraria local -, decidi pedir ajuda dos leitores de todo o mundo. Criei um blog chamado “A Year of Reading a World” (“um ano lendo o mundo”) e fiz um apelo para sugestões de obras que eu pudesse ler em inglês.
O feedback foi incrível. Antes que eu pudesse perceber, pessoas de todo o mundo estavam entrando em contato com ideias e oferecendo ajuda. Algumas me enviaram livros dos seus países, outras realizaram horas de pesquisas por mim. Além disso, vários escritores - como o turcomano Ak Welsapar e o panamenho Juan David Morgan - me enviaram traduções ainda não publicadas de seus romances, me concedendo a honra de ler diversos trabalhos que não estão disponíveis para 62% dos britânicos que falam apenas inglês. Mesmo com um extraordinário time de bibliófilos me apoiando, no entanto, encontrar os livros não foi uma tarefa simples. No início, com traduções suprindo apenas 4,5 por cento das obras literárias publicadas no Reino Unido e na Irlanda, obter versões das histórias em inglês foi extremamente difícil.
Pequenos países
Isso foi especialmente válido para países africanos francófonos e lusófonos (falantes de português). Havia pouquíssimas coisas de países como Comores, Madagascar, Guiné-Bissau e Moçambique – tive que contar com manuscritos inéditos para a maioria deles. E quando esses manuscritos vieram da pequena nação insular de São Tomé & Príncipe, eu teria ficado perdida sem um time de voluntários que traduziram um livro de contos de Olinda Beja apenas para que eu pudesse ler alguma coisa desse pequeno país.
Depois haviam países em que histórias eram raramente escritas. Se você está atrás de uma boa narrativa das Ilhas Marshall, por exemplo, provavelmente terá que ir e pedir permissão aos chefes locais (iroij’s) para escutar um dos contadores de histórias para só então conseguir um livro. Da mesma forma, na Nigéria, lendas são tradicionalmente preservadas pelos griots (griôs) (narradores-musicos experts, treinados na sabedoria de seu país desde aproximadamente seus 7 anos). Versões escritas de suas performances fascinantes são poucas e distantes entre si – e podem, sobretudo, capturar apenas uma pequena parte da experiência de escutá-los.
Se não fosse suficiente, a política me deu um estranho “chacoalhão” também. A fundação do Sudão do Sul, em 9 de julho de 2011 – apesar de ser um acontecimento prazeroso para seus cidadãos, que têm suportado décadas de guerra civil e ainda assim continuam a viver lá – me colocou uma espécie de desafio. Faltam estradas, hospitais, escolas ou infraestrutura básica e o país de apenas 6 meses de idade parece não ter publicado nenhum livro desde sua criação. Se não tivesse sido por um contato local que me colocou em comunicação com a escritora Julia Duany - que me escreveu um conto por encomenda -, eu poderia ter tido que pegar um avião para Juba para tentar encontrar alguém para me contar uma história pessoalmente.
De modo geral, procurar por histórias como essa tomou tanto tempo quanto ler e escrever para o blog. Foi uma tarefa difícil conciliar tudo isso em torno do trabalho e muitas foram as noites em que me sentei com os olhos turvos de madrugada para ter certeza de que conseguiria manter minha meta de ler um livro a cada 1,87 dias.
Espaço vazio
Mas o esforço valeu a pena. Enquanto trilhava meu caminho através das paisagens literárias do planeta, coisas extraordinárias começaram a acontecer. Longe de um simples voo seguro na poltrona, descobri que eu estava habitando o espaço mental dos narradores. Em companhia do escritor butanês Kunzang Chode, eu não estava simplesmente visitando templos exóticos, mas os vendo como um budista local os veria. Transportada pela imaginação de Galsan Tschinag, vaguei através das preocupações de um jovem pastor nas Montanhas Atlai, na Mongólia. Com Nu Nu Yi como meu guia, participei de um festival religioso em Mianmar da perspectiva de um médium transexual.
Nas mãos de talentosos escritores, descobri que a viagem através dos livros me oferecia uma coisa que um viajante físico espera viver apenas raras vezes: eles me levavam para dentro dos pensamentos de pessoas que viviam muito longe e me mostravam o mundo através de seus olhos. Mais poderoso que milhares de reportagens recentes, essas histórias não apenas abriram minha mente para o funcionamento da vida em outros lugares, mas abriram meu coração para a maneira como as pessoas de longe podem sentir.
E isso, por sua vez, mudou minha percepção. Por meio da leitura de histórias compartilhadas comigo por estranhos amantes de livros de todo o mundo, percebi que eu não era uma pessoa isolada, mas parte de uma rede que se estende por todo o planeta.
Um por um, os nomes dos países na lista que tinha começado como um exercício intelectual no começo do ano se transformou em lugares vitais e vibrantes, cheios de risadas, amor, raiva, esperança e medo. Terras que um dia pareciam exóticas e remotas se tornaram próximas e familiares para mim – lugares pelos quais eu conseguia me identificar. Por meio dessa experiência, eu aprendi: a ficção torna o mundo real.
Interessante esse desafio que ela se propôs. Deu até vontade de me aventurar assim.
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