Ela ensina a escrever um futuro bem melhor
Simone Graf - Jornal do Commercio - 29/10/2012"A pessoa que não sabe ler é cega". Estas são as palavras de Sandro Braz de Lima, 34 anos, funcionário de uma loja no Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (Ceasa) e recém-alfabetizado por Maria Valderice Barros da Silva, 66, a Dona Val. Há dez anos, a professora aposentada e comerciante atacadista de ovos criou o projeto Vida Nova Alfabetizada. Ela dedica boa parte de suas poucas horas de descanso diário, na pausa para o almoço, a ensinar o alfabeto, baseada no método Paulo Freire, aos trabalhadores da central de alimentos que não sabem ler nem escrever.
De acordo com um levantamento realizado pela Associação dos Usuários do Ceasa Recife (Assucere), em 2004 havia mais de 2 mil analfabetos em um universo de, aproximadamente, 30 mil pessoas que circulam pelo local diariamente, entre trabalhadores efetivos e prestadores de serviço. “Eu percebi que havia um grande número de analfabetos por aqui, tanto proprietários de estabelecimentos quanto subordinados. Sempre achei que o acesso à educação seria um facilitador para as atividades diárias e à vida como um todo. Então, eu tive a ideia de elaborar uma maneira de ensino mais fácil de ser assimilada, levando em conta que todos trabalham bastante e não têm muito tempo para a educação. Montei aulas seguindo a pedagogia de Paulo Freire. Ou seja, a alfabetização a partir dos aspectos culturais e sociais do educando”, explicou Dona Val.
A de alho, B de banana e C de coentro. Assim as primeiras letras do abecedário começam a fazer sentido para os alunos. Na sala de aula, localizada em um espaço cedido pela Assucere, há um painel com figuras de frutas e verduras, comercializadas no Ceasa, associadas ao alfabeto. Ele estampa o cuidado e a dedicação da professora em ensinar a partir do contexto diário dos estudantes.
O material didático é elaborado pelos próprios aprendizes. À medida que o curso vai evoluindo e os alunos vão assimilando o conteúdo, cartilhas são confeccionadas com figuras e textos ligados ao vocabulário aprendido.
Cerca de 200 trabalhadores já foram alfabetizados pelo programa. Atualmente, 14 funcionários, com idades entre 30 e 65 anos, assistem às aulas, ministradas de segunda à quarta-feira, das 12h às 14h. “É muito gratificante ver o esforço dessas pessoas que acordam de madrugada para trabalhar e ainda têm energia para aprender alguma coisa durante o intervalo do serviço. Eu não tenho palavras para definir o que sinto ao ver os meus meninos entrando no mundo das letras e do conhecimento”, declarou, com a voz embargada pela emoção, a professora.
Com o objetivo de incentivar uma participação efetiva dos educandos, tudo é oferecido gratuitamente, sem mensalidades ou qualquer outro custo. Dona Val não recebe salário para manter o projeto e tampouco conta com subsídios de empresas privadas e órgãos governamentais. O programa sobrevive graças ao apoio da Assucere, responsável por oferecer a infraestrutura para que as aulas aconteçam, e do banco de alimentos do Ceasa, fornecedora do lanche. “Tudo que faço por meus alunos é com muito amor. Isso aqui é a minha vida”, ressaltou a educadora.
FORMATURA
O curso tem duração de um ano, podendo ser estendido de acordo com a necessidade de cada estudante. Ao final do período letivo, uma festa de formatura marca o momento em que os alunos se tornam verdadeiros cidadãos. É a ocasião da queima simbólica dos documentos de identidade com a palavra “analfabeto”, carimbada no local reservado à assinatura. “A formatura é um instante de transição muito especial e marcante. É quando os estudantes destroem, simbolicamente, os atestados que não sabiam ler nem escrever e assumem os novos documentos assinados por eles”, finalizou a idealizadora do projeto Vida Nova Alfabetizada.
Assista:
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2012/10/29/ela-ensina-a-escrever-um-futuro-bem-melhor-61788.php
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