quarta-feira, 6 de novembro de 2013

UMA ESCOLA QUE OCUPA TODA UMA CIDADE.


Uma escola que ocupa toda uma cidade
Por Denis Plapler

 Conheci uma escola que ocupa toda uma cidade, iluminada dia e noite pelas estrelas. As águas de seus mares refletem o espírito de seu povo, pacífico e acolhedor, uma mistura de pataxós, caboclos, homens negros e brancos, brasileiros e estrangeiros, um povo colorido, assim como as suas falésias, produzidas pela relação amorosa entre o mar e a terra.  Nesta escola o tempo não existe, as pessoas não contam as horas, tão pouco a idade. Todos são educadores e aprendem uns com os outros, de forma livre e espontânea, sem muros, sem grades, sem uniformes, sem inspetores, sem provas, sem aulas, sem medo. Diferente das outras escolas, suas crianças não são divididas por idades, por espaços, por tempos, por nada; Suas crianças são unidas.
Quem me abriu as portas para esta maravilhosa visita foi o médico Alexandre Luiz Andrade Cavalcanti, uma pessoa que ao falar leva o coração à boca, o idealizador da Vila Escola Projeto de Gente.
Consciente de que o problema da saúde é também um problema de educação e, movido pelo desejo de se dedicar a buscar soluções para estes problemas, Alexandre imaginava abrir uma escola no Rio de Janeiro para se dedicar a população marginalizada de sua própria cidade. No entanto, através da ajuda de amigos, surgiu a oportunidade de abrir a Vila Escola Projeto de Gente em Cumuruxatiba, no sul da Bahia, uma vila localizada dentro do município de Prado, mas privilegiadamente isolada, como uma cidade, capaz de abrigar Dona Zabele, Dona Buru e muitos outros pataxós expulsos da aldeia Barra Velha, atacada em 1951, no episódio que ficou conhecido como O fogo de 51.
Sem separar a escola da cidade, Cumuruxatiba torna-se toda ela um espaço de aprendizado, extremamente potencializador, onde nada foge do olhar experiente de Sú, personagem central da comunidade. Enquanto a casa da angolana Dolores e do Suíço Valter recebe os ensaios da bateria, composta por crianças e adultos,  a casa do argentino Don Juan e da israelense Gili é capaz de transformar-se em circo, ateliê de artes, escola de teatro, panificadora, espaço de Yoga e até oficina de permacultura.
 O crepúsculo  chega como um véu carregado pela brisa e não espanta as crianças da praça de frente à praia, onde realizam a roda de capoeira ministrada pelos mestres Onda e Pé de Serra. A educação não se separa da vida e a vida não se separa da natureza. As crianças tocam, cantam e dançam, seus corpos agem em comunhão com suas mentes e na mesma afinação dos tambores dos curumins batuques, acompanhadas no mar pelos peixes, que dançam com as baleias e as tartarugas no ritmo do maracatu.

Esta escola, que se mistura com a cidade, conta ainda com Jan, Gabriela, Maíra e Andreia, geógrafos, cientistas sociais e educadores que acompanham as crianças em seus projetos pessoais e coletivos e, junto com eles, se aventuram pela cidade na construção do conhecimento a partir dos sonhos de suas crianças, que longe de serem alunos, se mostram todos os dias criaturas iluminadas, ainda mais agitadas na lua cheia.

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