Uma
escola que ocupa toda uma cidade
Por
Denis Plapler
Conheci
uma escola que ocupa toda uma cidade, iluminada dia e noite pelas estrelas. As
águas de seus mares refletem o espírito de seu povo, pacífico e acolhedor, uma
mistura de pataxós, caboclos, homens negros e brancos, brasileiros e
estrangeiros, um povo colorido, assim como as suas falésias, produzidas pela
relação amorosa entre o mar e a terra. Nesta escola o tempo não existe, as
pessoas não contam as horas, tão pouco a idade. Todos são educadores e aprendem
uns com os outros, de forma livre e espontânea, sem muros, sem grades, sem
uniformes, sem inspetores, sem provas, sem aulas, sem medo. Diferente das outras
escolas, suas crianças não são divididas por idades, por espaços, por tempos,
por nada; Suas crianças são unidas.
Quem
me abriu as portas para esta maravilhosa visita foi o médico Alexandre Luiz
Andrade Cavalcanti, uma pessoa que ao falar leva o coração à boca, o idealizador
da Vila Escola Projeto de Gente.
Consciente
de que o problema da saúde é também um problema de educação e, movido pelo
desejo de se dedicar a buscar soluções para estes problemas, Alexandre imaginava
abrir uma escola no Rio de Janeiro para se dedicar a população marginalizada de
sua própria cidade. No entanto, através da ajuda de amigos, surgiu a
oportunidade de abrir a Vila Escola Projeto de Gente em Cumuruxatiba, no sul da
Bahia, uma vila localizada dentro do município de Prado, mas privilegiadamente
isolada, como uma cidade, capaz de abrigar Dona Zabele, Dona Buru e muitos
outros pataxós expulsos da aldeia Barra Velha, atacada em 1951, no episódio que
ficou conhecido como O
fogo de 51.
Sem
separar a escola da cidade, Cumuruxatiba torna-se toda ela um espaço de
aprendizado, extremamente potencializador, onde nada foge do olhar experiente de
Sú, personagem central da comunidade. Enquanto a casa da angolana Dolores e do
Suíço Valter recebe os ensaios da bateria, composta por crianças e adultos, a
casa do argentino Don Juan e da israelense Gili é capaz de transformar-se em
circo, ateliê de artes, escola de teatro, panificadora, espaço de Yoga e até
oficina de permacultura.
O
crepúsculo chega como um véu carregado pela brisa e não espanta as crianças da
praça de frente à praia, onde realizam a roda de capoeira ministrada pelos
mestres Onda e Pé de Serra. A educação não se separa da vida e a vida não se
separa da natureza. As crianças tocam, cantam e dançam, seus corpos agem em
comunhão com suas mentes e na mesma afinação dos tambores dos curumins batuques,
acompanhadas no mar pelos peixes, que dançam com as baleias e as tartarugas no
ritmo do maracatu.
Esta
escola, que se mistura com a cidade, conta ainda com Jan, Gabriela, Maíra e
Andreia, geógrafos, cientistas sociais e educadores que acompanham as crianças
em seus projetos pessoais e coletivos e, junto com eles, se aventuram pela
cidade na construção do conhecimento a partir dos sonhos de suas crianças, que
longe de serem alunos, se mostram todos os dias criaturas iluminadas, ainda mais
agitadas na lua cheia.
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