Sobre o Esquenta, da Rede Globo, festejando o Dia da Consciência Negra |
Texto
de Fernanda Sousa.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra em um país em que 70,8% da
população que vive em extrema pobreza é negra.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando 60% da população carcerária
é negra.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando 60% da
população carcerária é negra.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando a chance de um jovem negro
ser assassinado é 139% maior que a chance de um jovem branco.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando existe uma política de
GENOCÍDIO da população pobre e preta.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando 60,9% das empregadas
domésticas são mulheres negras.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando a renda média da mulher
negra equivale a 30,5% do que ganha um homem branco.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando no ensino superior
brasileiro, independente da faixa etária, apenas 8,9% dos estudantes são
negros.
Não
há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando existe um movimento como as
Mães de Maio,
lutando por justiça, memória, verdade e contra o terrorismo do Estado.
Cena
do Programa 'Esquenta!". Foto de João Januário/Tv Globo.
Racismo
não é apenas um preconceito por causa da cor da pele. Racismo é uma relação de
poder, é uma ideologia de dominação e exclusão, baseada não só na cor da pele,
mas também em um conjunto de traços que revelam uma negritude, como cabelo,
nariz, etc. Racismo não é um preconceito individual. Racismo é estrutural em um
país construído durante mais de 350 anos por meio da exploração do trabalho
escravo e da contínua marginalização do negro após a mentirosa abolição.
Não
adianta, uma vez ao ano, encher um programa de pretos/as, cantando e dançando
samba, transformando nossa dor e nossa resistência em festa, em entretenimento,
achando que isso é combater o racismo. Se nós não falamos da realidade concreta
da população negra nesse país, o que estamos fazendo é vender a falaciosa ideia
de "democracia racial". Ela não existe.
Não
existe "harmonia racial" entre negros e brancos quando médicos brancos se juntam
e protestam contra a vinda de médicos negros cubanos, chamando-os de "escravos",
não existe com gente dizendo que as médicas cubanas têm "cara de empregada
doméstica"; não existe "harmonia racial" quando estudantes brancos protestam
contra a política de cotas raciais; não existe "harmonia racial" quando jovens
negros são assassinados diariamente pela Polícia Militar; não existe "harmonia
racial" quando as patroas e patrões brancos se recusam a garantir os direitos
trabalhistas das empregadas, em sua maioria, negras; não existe "harmonia
racial" quando brancos se divertem e os negros são os seguranças das festas; não
existe "harmonia racial" quando brancos estudam e se formam nas universidades e
os negros limpam o chão e cozinham pra eles. O que existe é a supremacia branca,
de mãos dadas com o racismo, que se esconde sob o véu da democracia racial,
clamando pela "paz" ao mesmo tempo que defende a redução da maioridade penal, a
pena de morte ("bandido bom é bandido morto"), a higienização das cidades e
protesta contra ações afirmativas.
Nós
não queremos festa, nós queremos justiça, direitos, oportunidades, reparação.
Dia 20 de novembro não é dia de festa!
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Fernanda
Sousa é estudante de Letras, professora e militante de um coletivo negro da
universidade onde estuda. Está tentando voltar a escrever poesia. Também faz
parte das Blogueiras Negras. Esse
texto foi publicado originalmente como status em seu facebook.
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